quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Fazer Arte Plástica Começa Pela Compreensão da Luz


Tudo se resume em micropartículas de energia eletromagnética emitida ou refletida, em frequência que nosso sistema ótico seja capaz de capturar através de células sensitivas. E recebendo os impulsos correspondentes dessa captura, nosso célebro cria a percepção de cor que conhecemos, em função de cada frequência vibracional, estando a intensidade do brilho (cromatismo) associada à quantidade ou densidade dessas partículas na radiação. A ciência as chama de fótons, teorizados em 1.905 por Albert Einstein (Efeito Fotoelétrico). Para um artista plástico lúcido, as palavras luz e cor representam a mesma ideia.

Quando as radiações interagem com as partículas dos corpos físicos, a frequência dos fótons e a sua densidade na reflexão (partículas não absorvidas) são alteradas, e isso define a cor de cada corpo ou matéria. E não é só. O mesmo processo de reflexão também define não a forma do corpo físico, da sua massa molecular, mas sim a percepção visual que temos. Se percebemos a forma de alguma coisa, isso ocorre porque a sua reflexão se distingue das demais reflexões do ambiente.

Para artistas plásticos lúcidos, os traços só existem no seu trabalho (veículo físico). Eles definem formas porque representam graficamente as distinções de luz do corpo representado e do restante do ambiente (luz de fundo). Portanto, a rigor, pela visão não percebemos nenhum corpo físico, mas tão somente a sua luz. Um escultor percebe a massa do seu trabalho, mas isso pela sensorialidade que chamamos tato, através de células sensitivas espalhadas na sua pele.

Dito isto, eis em que consiste a técnica artística plástica: transformar ou deformar (plasticidade) um meio físico, e/ou outros materiais a ele agregados pela própria execução da técnica, como faz nos desenhos e pinturas, nas moldagens, nas colagens ou quando esculpi algum material.

Dessa maneira, um pintor cria ou recria uma configuração de luz, a partir da luz homogênea e original de um veículo. Partindo de uma tela branca e vazia de formas, por exemplo, ou seja de 100% de reflexão de luz branca, na verdade ele estará trabalhando no sentido de "menos luz", criando impressões subjetivamente importantes pela inibição gradual e localizada da reflexão original do veículo. Figurativistas fazem isso definindo formas compreensíveis, abstracionistas puros abrem mão de qualquer forma reconhecível em sua expressão, e abstracionistas formais mostram-se mais "amigáveis" na medida em que se permitem algumas formas, normalmente primárias ou geométricas.

Na mesma direção mas com técnica diferenciada, um escultor constrói o seu trabalho tendo em vista uma relação pouco conhecida pelo observador leigo: a interação interpretativa entre volumes (massa) e espaços dentro da obra. Também existirá uma relação intrínseca entre a obra e o espaço ambiente, porém essa relação estará fora dos limites de controle do escultor.

Deixei de contemplar o caso do desenhista de propósito, com o objetivo de reforçar a importância da compreensão da luz, e para isso vou fechar o foco nos casos de desenho monocrômico, a expressão mais conhecida e até mesmo mais adimirada dessa linguagem. Ela é absolutamente radical e primária, gutural inclusive. Foi a primeira expressão que se considere evolutivamente humana. Contudo, o seu poder de expressão baseado no conflito entre luz e não luz, é capaz de seduzir mesmo as sensibilidades mais intelectualizadas, na ponta do processo evolutivo.

O desenho, por mais simples que seja ou exatamente por isso, destrói as cascas subjetivas que criamos ao longo de milênios, faz com que tornemos às nossas protegidas e protetoras cavernas, no fundo da alma, pelo poder imenso de um primitivismo que parece arraigado em nas entranhas.

Isso é profundo e mágico. Se a mente do bicho-homem era abstrata, por força da sua ignorância, nossa evolução quebrou este estado pelo uso de grafias formais necessárias à representação e à transmissão de ideias, associada às ideias de perenidade, de integralidade dos conceitos, e do poder tribal que os detinha e os explorava, quase sempre também sacerdotal.

Pois bem. Não existia luz solar nas cavernas. Nos reuníamos em volta de uma fogueira sobre antigas cinzas para trocar ideias e conhecimento, cercados e invadidos por nossas próprias sombras. Acreditávamos que a luz pertencia ao mundo exterior, assim como o abstracionismo que ameaçava nossa sobrevivência mais que as feras da natureza. Então começamos a  nos valer das formas, até para nos proteger.

É portanto verdadeiramente irônico e perturbador que nossa evolução tenha dependido tanto da derrubada sucessiva de formas estabelecidas. O movimento impressionista rompeu com o conceito estético da representação realistica das formas.

O surrealismo partiu do caráter onírico e inusitado de coisas que não faziam parte da realidade cotidiana. O advento da fotografia logrou a captura da luz, mas abriu caminho para a evolução das imagens que temos atualmente.

E hoje, por incrível que pareça, nossa ciência se aproxima de uma espécie de encruzilhada. Boa parte de nossas melhores cabeças pensantes tem consciência de que não poderá avançar muito mais, se não assumir conceitos abstratos. Na verdade até já faz isso parcimoniosamente, para sustentar o consenso sobre outros, estes formais. A forma é matéria. E a ciência estima que apenas míseros 4% da energia de todo o universo têm estado de matéria!

Podemos então presumir que o imenso poder científico do nosso tempo terá de se curvar, se quiser prosseguir, sem criar realidades iluminadas mas fictícias. Terá de desenvolver uma concepção intermediária, nem formal nem abstrata, como instrumento. Isso parece à primeira vista um enorme desafio, uma barreira inespugnável passar do formal para o abstrato com um único passo. A ciência precisará de desenhos!

Mas isso não deverá assustar os artistas plásticos lúcidos, especialmente os desenhistas, porque eles tratam a luz por você. A luz é expressão natural da energia, que preenche o universo como um oceano.

Claro que boa parte da energia universal tem o estado de onda e não de partícula. Mas isso talvez não seja um problema. O seu estado pode ser alterado em alguma medida por alguma interação.

Penso até que talvez um dia a maior parte dessa energia esteja sentada no colo dos desenhistas. Sou desenhista, figurativista nato. E não me preocupo tanto, não vejo grandes riscos, salvo para a macheza dos desenhistas. Estou ficando velho de todo jeito.

(Lou Poulit 2017 - Direitos Reservados)

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