sábado, 19 de dezembro de 2015




ARTE COM MATERIAIS ALTERNATIVOS


Quando um artista plástico resolve ter a coragem de usar materiais alternativos na suas pinturas e esculturas, talvez não imagine que está fazendo muito mais do que simplesmente romper com a tradicionalidade dos materiais. E antes de qualquer explanação, considere-se que estará se exilando da arte clássica. Seus trabalhos não serão mais diretamente comparáveis, e no máximo apontarão essa ou aquela aparente influência. No entanto, de um primeiro passo com materiais alternativos até a chamada arte conceitual, com certeza haverá uma enorme distância. Mas para que isso fique mais claro, podemos todos entender do mesmo jeito.

Esse movimento artistico, que expandiu-se mais vigorosamente entre as décadas dem 70 e 80 do século passado, a partir da Europa e dos Estados Unidos, e que encontrou representantes também no Brasil (Lygia Clark e Hélio Oiticica entre outros), foi chamado "conceitual" para que a designação tivesse a carga de significado pretendida, de romper com o formalismo, movimento europeu antecedente. Mas claro, não significa que não houvesse conceito em outros movimentos. As principais características do desenvolvimento da arte dita conceitual foram: rompimento genérico com o formalismo artístico, desenvolvimento da arte ambiental e em áreas públicas (grafite), agregação de várias linguagens simultâneas (vídeos, instalações artísticas, fotografias, etc.), retorno ao figurativismo como valorização do conceito e, sobretudo, a valorização excludente, absoluta, da subjetividade e da ideia da obra conceitual, acima de qualquer outro fundamento artístico, que assim têm degradada sua importância, subestimada pela pretendida percepção do todo conceitual.

Bem menos pretensiosamente em termos de arte acadêmica, você artista poderá se sentir diante de um imenso limiar, e sem limites, ainda que se limite aos materiais alternativos. Eles têm, e agregam ao produto artístico, uma enorme gama de propriedades que lhes são intrínsecas e que vão muito além da relação entre as tintas, a química e a mecânica de aplicação, e os veículos físicos nos quais se executa a técnica artística (pedra, madeira, tela, luz, som, etc.), também potencialmente muito variados. É portanto possível a qualquer artista de bom senso, enveredar pelos materiais alternativos, rompendo com a tradicionalidade no entanto sem necessariamente inventar arte. Colocamos aqui "bom senso" com notação de razoabilidade, para lembrar que não é avaliável um trabalho que não seja compreendido, e que, antes de qualquer outro, o autor deve compreendê-lo.

Os materiais alternativos têm um tipo de sedução, principalmente para o autor, capaz de surpreender mesmo o observador cético. E não apenas pelo caráter de inusitado. Trata-se das possibilidades de utilização de sobras e descartes, aparelhos velhos, substitutivos da madeira, recipientes e até mesmo materiais de difícil identificação da origem, encontrados no lixo. E considere-se aqui que isso talvez não tenha a ver com a conveniência de custo baixo, mas com determinada carga de subjetividade que o material agregue à obra. Assim, por exemplo, caso alguém faça uma pintura sobre tela, em que se perceba a colagem de chips de celular, terá que ser um artista ainda melhor para evitar, se o desejar, que o observador faça a associação inevitável com os objetivos dos chips. Vejam, em vez de chips, ele poderia usar preservativos para doenças sexualmente transmissíveis vencidos, ou cédulas de votação eleitoral com opção de voto, ou simples grãos de cereais, enfim...

É de se imaginar que para aqueles que nunca utilizaram materiais incomuns seja difícil fazer as primeiras escolhas. Para estes, admitindo que já conheçam algum roteiro básico de trabalho de concepção, sugerimos escolher antes entre duas características: uma é a de aplicar o material alternativo na definição do trabalho, e a outra, fazer essa aplicação no veículo, para depois executar a definição ou acabamento sobrepondo, em parte ou no todo, os materiais convencionais. A diferença mais provável será que, na segunda hipótese, uma ou mais propriedades peculiares ao material alternativo talvez sejam cobertas pelo acabamento, e isso pode ser um sacrifício. Repetindo a notação de razoabilidade antes mencionada, não se exclui uma combinação interessante das duas possibilidades. Por exemplo, usando-se algum material alternativo para compor uma textura sobre o veículo, com areia, ou folhas naturais (vegetais), fibras embaraçadas, papel laminado, serragem, etc. E sobre essa textura, aplicar fotografias, textos, conchinhas, ou uma pintura convencional com pincel ou espátula, enfim... São muitas as alternativas.

Quer mais ideias? Podemos ser "alternativos" também nos equipamentos ou instrumentos. Por exemplo, podemos preparar para uso, lixas para raspar, pentes e facas serrilhadas para fazer estrias, esponjas, escovas e tal. Então fazemos primeiro várias baterias de testes para começar a descobrir as possibilidades de efeito de cada material, e depois das combinações entre eles. Depois desta experimentações teremos algum domínio do que pretendemos. Lembre-se de que, na pintura, na escultura, assim como no simples desenho, a técnica pode incluir a sua negação. Ou seja, no desenho apagamos traços e esfuminhos, mas podemos fazer algo assim também nas tintas, raspando ou aplicando químicas, e 0bviamente nas esculturas, especialmente nas dos tipos moldagem e instalação (móbiles).

Para finalizar queremos salientar algo importante. Para o observador do trabalho já pronto, o aspecto final seja talvez sempre a única percepção, o único prazer, e o único aprendizado. Mas para o autor o processo todo é avaliável e reavaliável, e só ele poderá conhecer a evolução da obra. Isso significa que, em se fazendo arte, cabe um conceito mais importante do que o conceito de arte conceitual: o artista deve amar o caminho de cada obra, pelo menos tanto quanto o seu resultado final. As artes plásticas alternativas podem ser um aprendizado, um laboratório de técnicas, fundamental na construção da identidade do artista e do seu arcabouço técnico, composto de muitos desafios e diversas conquistas, ainda que aconteçam muitos fracassos. Devemos ver o artista pela ótica do seu caminho, desde quando começou, e não por resultados isolados. Porque só assim poderemos entender o amor que foi seu combustível.

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